Arquivo do autor:alberto lins caldas

nos e as hienas

Benoit Paille

● as hienas entram ●
● pelas janelas ●
● as portas tão fechadas ●

● elas arrombam ●
● as portas ●
● nos agarram pela nuca ●

● pela garganta ●
● elas devoram nossas linguas ●
● devoram nossos olhos ●

● nossas orelhas e narizes ●
● elas devoram a ponta ●
● dos nossos dedos ●

● elas adoram mastigar ●
● nossos pes ●
● nossas pernas●

● o figado ●
● a porra ●
● dos pulmões ●

● a porra dos nossos dentes ●
● e unhas ●
● como se come doces ●

● como se come geleia de figo ●
● elas sabem onde morder ●
● sabem onde ferir ●

● sabem bem demais ●
● nos cercar ●
● nos possuir e mascar ●

● comer nosso sexo ●
● com gula riso e ganancia ●
● elas correm ●

● gargalhando ●
● por cima dos telhados ●
● correm pelos muros ●

● pelos corredores ●
● correm pelas ruas ●
● como se fossem cães ●

● fossem gatos e ratos ●
● e devoram ●
● porteiros ●

● motoristas ●
● vendedores de cocada ●
● dormindo sob nossas camas ●

● dormindo ao nosso lado ●
● entre travesseiros ●
● lençois e cobertores ●

● de repente mordem nossa face ●
● toda noite elas cantam ●
● entre predios e casas ●

● cantam sobrias e bebadas ●
● ruidosas nas praças ●
● e se reunem ●

● nas pontes devorando ●
● os q não conseguem fugir ●
● depois desse tempo ●

● somem ●
● como se tivessem ●
● escondidas ●

● pra dormir satisfeitas de nos ●
● esperando ●
● a fome duma nova hora ●

● doutra hora bem nossa ●
● mas sempre reaparecem ●
● pra nos apavorar ●

● pra nos perseguir ●
● pra nos consumir ●
● pra tomar ●

● conta do nosso mundo ●
● como se fossemos merdas ●
● depois de todo esse tempo ●

● ja sabemos q somos nos ●
● q precisamos das hienas ●
● pra nos devorar ate nos ●

● esquecermos de nos ●
● e da nossa ferida ●
● a qualquer momento ●

● as hienas sempre retornam ●
● se não for agora ●
● se não for nesse tempo ●

● agora sim ●
● sera ●
● e se não for agora ●

● entrarão nos devorando ●
● assim mesmo ●
● entrarão por nossas portas ●

● nos morderão a nuca ●
● a garganta ●
● enquanto devoram ●

● nossas linguas ●
● pra esquecermos a ferida ●
● a ferida ●

*

sinais

bertolt brecht

● troia foi um sonho ●
● delirio q chamamos homero ●
● sem essa loucura eu não existiria ●

● nem troia nem homero nem eu ●
● existimos como deve ou deveria ●
● existir um bicho um homem a pedra ●

● não existia tambem quem delirou ●
● troia homero eu vc ou todo o mar ●
● os mares as espadas tanto sangue ●

● virgilio q foi sonhado pela eneida ●
● a eneida q foi queimada pelo sonho ●
● não realizado do pobre virgilio ●

● dante q se perdeu e não encontrou ●
● nada no fim duma inutil jornada ●
● acordando suado com febre mortal ●

● o cavaleiro da triste figura ●
● morreu entre livros e entrevado sim ●
● entrevado fechou os olhos e morreu ●

● covarde hamlet se foi com ofelia ●
● antes de tudo os dois flutuando sim ●
● nas aguas frias de millais pra nada ●

● buchner morreu com quatro anos ●
● de febre tifoide e o pai jogou ele ●
● seco e sarnento como cão no rio ●

● raskolnikov deu um tiro na cabeça ●
● logo depois de matar a avara velha ●
● sendo encontrado ao lado dela ●

● k foi recebido pelo castelo e ficou ●
● trabalhando pro conde westwest ●
● ate morrer de artrose com klan ●

● nem brecht nem bernhard nem eu ●
● existimos como deve ou deveria sim ●
● existir bicho homem ou pedra ●

● sem nada disso nem posso dizer ●
● nada sobre nada disso e me calo ●
● irreal no eixo obsceno do horror ●

*

no silencio

laranja mecanica - filme

● escorrego na rua cheia de lama de neve ●
● sei q no susto gemi sim e isso se perdeu ●
● nos tijolos congelados ou mesmo em berlin ●
● talvez em qualquer lugar acho q no corpo ●
● esse meu corpo q escorrega e sofre pra si ●

● deve ser terrivel so poder gemer e gritar ●
● pros outros sem a intimidade e o silencio ●
● q o corpo produz com gritos tormento gozo ●
● apenas pra si mesma sem nenhum alvoroço ●
● apenas livre coberta por essa nevoa de neve ●

● inda encostada na arvore pra não tombar ●
● esse corpo detesta ceder se desequilibrar ●

*

ebano e marfim

seu jorge - Marighella

● negro ●
● o corvo olha ●
● a gaivota arrastada ●
● pelo vento ●
● violento ●
● levada ●
● longe do ninho ●
● a gaivota ●
● longe do rio ●

● negro ●
● o corvo olha ●
● a gaivota ●
● desaparecer ●
● entre arvores ●
● o corvo voa ●
● ve a gaivota ●
● estraçalhada ●
● numa grade ●

● negro ●
● o corvo ●
● levado pelo vento ●
● vai e volta ●
● sobe e desce ●
● da proa ao mastro ●
● desse vento ●
● de acre maresia ●
● voar é sua canção ●

● negro ●
● o corvo ve ●
● na grade ●
● a gaivota morta ●
● alem da grade ●
● vem horror e raios ●
● vem treva demais ●
● com o vento o vento ●
● q rasgou a gaivota ●

*

sinais

lucian freud 4

● troia foi um sonho ●
● delirio q chamamos homero ●
● sem essa loucura eu não existiria ●

● nem troia nem homero nem eu ●
● existimos como deve ou deveria ●
● existir um bicho um homem a pedra ●

● não existia tambem quem delirou ●
● troia homero eu vc ou todo o mar ●
● os mares as espadas tanto sangue ●

● virgilio q foi sonhado pela eneida ●
● a eneida q foi queimada pelo sonho ●
● não realizado do pobre virgilio ●

● dante q se perdeu e não encontrou ●
● nada no fim duma inutil jornada ●
● acordando suado com febre mortal ●

● o cavaleiro da triste figura ●
● morreu entre livros e entrevado sim ●
● entrevado fechou os olhos e morreu ●

● covarde hamlet se foi com ofelia ●
● antes de tudo os dois flutuando sim ●
● nas aguas frias de millais pra nada ●

● buchner morreu com quatro anos ●
● de febre tifoide e o pai jogou ele ●
● seco e sarnento como cão no rio ●

● raskolnikov deu um tiro na cabeça ●
● logo depois de matar a avara velha ●
● sendo encontrado ao lado dela ●

● k foi recebido pelo castelo e ficou ●
● trabalhando pro conde westwest ●
● ate morrer de artrose com klan ●

● nem brecht nem bernhard nem eu ●
● existimos como deve ou deveria sim ●
● existir bicho homem ou pedra ●

● sem nada disso nem posso dizer ●
● nada sobre nada disso e me calo ●
● irreal no eixo obsceno do horror ●

*

nosso horror

paula rego

● vc tem visto meu horror ●
● ?ele se parece com o teu ●
● ou ele é so meu apenas eu ●

● meu horror cava meus olhos ●
● la dentro devora meus sonhos ●
● deixa a lingua aos pedaços ●

● teu horror ?tambem faz isso ●
● ?tambem não te deixa viver ●
● ou morrer e so estraçalha ●

● ?ele gargralha como corvos ●
● sobre o peito dos pombos ●
● como nas praças gaivotas ●

● ?como não ir ate o fundo ●
● do abismo com ele furioso ●
● nos ouvidos ?é assim com vc ●

● meu horror jamais foi embora ●
● ele se aninhou em mim sim ●
● como se eu fosse seu ninho ●

● ?é assim com vc ?vc dorme ●
● ?vc vive ? vc ama ?vc é vc ●
● ou apenas como eu o horror ●

● se eu te deixasse vc saberia ●
● q sou teu horror e vc é o meu ●
● indassim ele não nos deixaria ●

*

hybris

Julio Cortázar

● ha um corvo pousado ●
● entre a cruz e o pombo ●

● sei q ele sabe a fome ●
● do corvo nesse tempo ●

● do corvo nas horas do tempo ●
● das gaivotas em todos as horas ●

● tão perigoso sempre perigoso ●
● tempos perigosos pros pombos ●

● entre corvos e gaivotas ●
● sempre com fome ●

● de carne de pombos ●
● suculentas carnes de pombo ●

● logo agora os ninhos ●
● os ovos os cuidados o futuro ●

● gaivotas e corvos cuidam ●
● pra q haja mais ovos e ovos ●

● haja ninhos de pombos ●
● ?então porq esse pombo ●
● ao lado do corvo ●
● como irmão como amigo ●
● enquanto la no alto ●
● voam gaivotas famintas ●
● violentas e famintas ●

● ?q desejam pombos assim ●
● querem ser devorados ●

● como se assim fossem corvos ●
● se tornassem gaivotas ●

● seus ovos destruidos ●
● destruidos seus ninhos ●

● enquanto o mundo gira ●
● gira pro seu fado ●

● enfadado de carne e sangue ●
● isso sabe bem demais o pombo ●

● sabemos todos ●
● indassim se entregam idiotas ●
● curvam o pescoço ●
● fecham os olhos esperam rindo ●
● o bico dos corvos ●
● o peito ●
● pro bico das gaivotas ●

*

idiotas


mapplethorpe - italian devil

● os idiotas são uma eternidade devem chorar ●
● muito foi o q ela disse e repetiu os idiotas sim ●
● devem chorar muito ou melhor os idiotas devem ●
● chorar muito precisam chorar e chorar e chorar ●
● preferivelmente dançando e gargralhando sempre ●
● vestidos de politicos militares banqueiros todos ●
● os idiotas devem sempre chorar porq se não ●
● chorassem os idiotas não seriam idiotas nem ●
● poderiam ter a honra de ser idiotas babando ●
● destrambelhados e so idiotas ela disse e repetiu ●
● é o q penso e sinto sempre os idiotas devem ●
● chorar eles não sabem q são idiotas foi o q ela ●
● disse e dizendo repetiu sim os idiotas devem ●
● chorar não ha um idiota q não chore sim macho ●
● ou femea choram todos os tipos de machos todos ●
● os tipos de femeas choram logo são idiotas se ●
● um cão chora chora como os cães idiotas todos ●
● os idiotas choram todos os pretos choram com ●
● odio dos brancos todos os brancos choram com ●
● medo dos negros ela disse rindo pois todos os ●
● idiotas choram odeiam se não chorassem pensam ●
● saberiam q não ha negros e brancos q não ha ●
● machos e femeas não ha gordos e magros anões
● e gigantes burros e genios idiotas e sabidos não
● são apenas delirios sim delirios doentes supurando ●
● delirios mostruosos da tribo q precisam de sangue ●
● a agonia do terror pra cessar ela disse não ha ●
● macho e femea um mesmo corpo de femea femea ●
● pra multiplicar femeas so poder q separa o poder ●
● q acredita e faz doer e faz perverter e sangrar ●
● porisso choram como todos os idiotas da natureza ●
● como mulheres andam com mamãe vovo filhinha ●
● ela disse quatro idiotas imitando idiotas rindo ●
● quando deviam chorar o horror imediatamente ●
● a chorar chorar como chuva de inverno violento ●
● porq não ha idiota q não gaste a vida chorando ●
● chorar porque os pretos não afiam as facas sim ●
● pra degolarem e devorarem os bracos no festim ●
● depois da grande alegria da grande revolução sim ●
● mesmo q não haja brancos e negros mas devorar ●
● ate se saciar da mentira q ha brancos e negros ●
● ela disse e q as mulheres devorem seus homens ●
● q homens nunca foram com tomates e frutas sim ●
● é uma pena q os idiotas nunca chorem ela disse ●
● os idiotas não sabem q deveriam chorar e chorar ●
● não saberemos jamais quem é quem não é idiota ●
● ela disse e repetiu eu choro sempre devo ser idiota ●
● jamais saberei q sou idiota porisso choro e choro ●

*

incendio em campo de girassois

Paolo Pellegrin - 2013

● vemos viamos ●
● ao longe aqui bem dentro ●
● o campo de girassois queimar ●
● como se o sol houvesse virver de perto ●
● o q gira vivo com ele ●
● pra entender sua propria sedução ●
● ou outra ou nenhuma ●
● vem o sol surfando com a queimada ●
● da plantação de girassois ●
● ondas labaredas de fogo q explodem ●
● fogos de artificio sobre a plantação ●
● de girassois em fogo ●

● dizemos tambem e constrangidos ●
● aqui entre nos os mortos não ha calor ●
● nem mesmo resto do q vivemos ●
● cremos eterno ou mesmo nem vimos ser ●
● na morte não tamos sos não apenas nos ●
● tambem o planeta os planetas tartarugas ●
● camelos vermes as formas do verde ●
● cada um dos impostores toupeiras antas ●
● aranhas como se tudo jamais tivesse ●
● existido ou vivido o sofrimento de estar ●
● se apagado como nos nos apagamos sim ●
● nem o silencio nem o abismo nem o caos ●

● nosso universo agora é uvamijona ●
● a força de tudo q desejava uvamijona ●
● tudo q criamos e sonhamos uvamijona ●
● enquanto esse fogo e suas labaredas ●
● passam sobre nos como nos incendios ●
● nas plantações de girassois passa ●
● passava como a punição a doença ●
● q sempre foi mais importante q nos ●
● mais importante q a cura ●
● mais importante q o fogo ●
● como esse q passou passa sobre nos ●
● chamas nas plantações de girassol ●

*

a velha puta hyena

hyena

● a velha puta hyena ●
● puta de vasta ninhada faminta ●
● prendeu por tres meses minha mãe ●
● numa toca esperando sua morte calada ●
● apenas ela a velha puta hyena ●
● poderia gozar aquela morte aquela dor ●
● a solidão o silencio da morte de minha mãe ●

● a velha puta hyena ●
● puta de vasta ninhada faminta ●
● escondeu meu pai no fundo do seu labirinto ●
● sentado sozinho entrevado entregue ●
● pra morrer como os carrapatos de puta ●
● velha hyena pregado na sua carne suja ●
● ate q meu pai morreu sufocado no vomito ●

● a velha puta hyena ●
● puta de vasta ninhada faminta ●
● alimentou a vasta ninhada faminta ●
● com leite carne moedas dos meus pais ●
● rindo por ser tão facil devorar calada ●
● enquanto eu perdido no etna encontrei ●
● a velha entrada q não faz sentido ●

● a velha puta hyena ●
● puta de vasta ninhada faminta ●
● roubou tudo q pode dos meus pais ●
● q era de todos nos seus filhos irmãos ●
● a puta velha hyena de vasta ninhada ●
● podera cair num buraco ser rebaixada ●
● mas as hyenas morrem de repente ●

● a velha puta hyena ●
● puta de vasta ninhada faminta ●
● morrera de repente mas não sem antes ●
● ver a morte de um dois ou tres ●
● da sua vasta ninhada e cuspir sangue ●
● como cospem sangue todas as hyenas ●
● assim carrapatos sugando sangue ●

● a velha puta hyena ●
● puta de vasta ninhada faminta ●
● antes de tudo será devorada viva ●
● por sonhos por desejos não satisfeitos ●
● pela loucura q dança no meio da sala ●
● a velha hyena q nunca gozou e trai ●
● não gozara vendo seu mundo se quebrar ●

● a velha puta hyena ●
● puta de vasta ninhada faminta ●
● mama nas tetas de todo e qualquer poder ●
● ela matou meu pai minha mãe e trai ●
● aqui no etna vejo o mar e a loucura ●
● a perversa ninharia o dinheiro deus e trai ●
● o marido q precisa ser enganado pornada ●

● a velha puta hyena ●
● puta de vasta ninhada faminta ●
● vera o horror dor e pavor a doença venerea ●
● antiga esquecida pra sempre e silenciada ●
● essa hyena q matou meu pai e minha mãe ●
● destruiu meu lar minha fuga o riso ●
● vera o sangue tocar sua ninhada e eu rindo ●

 

*