é verdade que ainda sangro
e que às mulheres
por brio ou obscuridade
é dado sangrar em silêncio
mas veja minha irmã e eu:
a carne exaurindo a noite
as luzes todas acesas
o coração ruidoso
se agora canto
é porque desaprendi
a morrer primeiro
é verdade que ainda sangro
e que às mulheres
por brio ou obscuridade
é dado sangrar em silêncio
mas veja minha irmã e eu:
a carne exaurindo a noite
as luzes todas acesas
o coração ruidoso
se agora canto
é porque desaprendi
a morrer primeiro
desinventar a estrada
que vai dar nas mesmas ilhas
partir com os dedos
as ruas que vão restando
reter entre os lábios
o mapa onde escondíamos
a palavra eletricidade
dizer outra vez teu nome
e te ver guardar o meu
entre as coisas mais selvagens
o sol se escondendo entre os prédios
a carta ascendendo à memória
o ar a pele o chá o cheiro
a exata temperatura da água
meu amor, meu amor, você diria
minha palavra posta em tua boca
o sol sumindo entre as árvores
eu acenando entre os pássaros
você na outra plataforma
ele acorda
em uma cidade
que não é sua
do outro lado da vidraça
imensas colunas de concreto
devolvem centenas de janelas
por onde vê
um pequeno sol
entre as colinas
as coisas são o que são
e é certo que o compreendem
nós, que não somos
não sabemos
que agora
por exemplo
ele se ocupa
de soprar a vidraça
de mantê-la
entre os lábios
e o ar frio que respira
(é quando escreve
repetidas vezes
o nome que o tem)
a cidade acorda
em um homem
que não é seu
há casas
que guardam um inverno
à espera de um nome
a coisa de mãos imensas
e olhos extraordinários
desprende-se dos ossos
e espalha pela garganta
a sede de que é feita
digo a ela: um nome,
meu bem, é nada
é sebo de vela no copo
estrada sumindo no olho
a água da chuva
é que inventa o cântaro
palavra
a gente inventa pra silenciar
do lado de fora,
isso a que chamávamos sonho:
alice cosendo minha carne
eu molhando suas mãos
é de ouro o nada, dizíamos
de corpo e marcha a fera
que não se sabe extinta
do lado de dentro,
isso a que chamávamos tudo